Fundação da cidade-satélite de Taguatinga
1958
Foto: Raquel Morais / junho 2015
Praça do Relógio, em Taguatinga, no Distrito Federal Dias atuais
Fundada em 5 de junho de 1958, Taguatinga é reconhecida como oficialmente como cidade através do Decreto 571/70 pelo governador Hélio Prates da Silveira.
Os
moradores da antiga Vila Sarah Kubitshek passaram por um processo de remoção e
foram realocados à 25 km do Plano Piloto, na localidade que foi nomeada
Taguatinga, a primeira cidade-satélite de Brasília.
James Holston, 1989.
provisório"
a um lugar de experiência identitária. Universidade de Brasília. PPGHIS
(Programa de Pós Graduação em História). Brasília, DF, 2011.
Aldo
Paviani, 1996
A
grande dificuldade foi selecionar os recebedores de lotes na nova urbe, uma vez
que estava previsto o acesso a eles apenas para trabalhadores e servidores de
baixa renda, e muitos favelados estavam excluídos desses critérios formais.
Assim, a cidade já nasce com as chamadas Vila Dimas fundada em 1 de maio de 1960 pelo líder comunitário Dimas
Leopoldino da Silva e a Vila Matias, por Raimundo Matias, pois
havia muitos sem teto que não se adequavam à legalidade instituída para a
distribuição de lotes, ou seja, a cidade forjava já no seu nascimento a
desigualdade social (...) a criação de Taguatinga era apenas uma mudança
geográfica de sua condição de excluídos.
Fonte(s):
PAVIANI, A. (Org.) . Brasilia: Moradia e Exclusão. 1. ed. BRASILIA: EDITORA
UNB, 1996. pp.61.
[...]
A
primeira cidade-satélite de Brasília começou com a tomada de posse de um
terreno perto da entrada da Cidade Livre. Já descrevi as causas de tais
ocupações. Chegaram a um auge nas primeiras semanas de junho de 1958, quando,
em poucos dias, entre 4 mil e 5 mil flagelados da seca do Nordeste chegaram à
Cidade Livre em busca de trabalho. A Novacap ordenou às forças de segurança (o
GEB) que levantassem barreiras na estrada para impedi-los de entrar. Em vez de
irem embora - como se tivessem algum lugar para onde ir -, esses migrantes
desesperados iniciaram uma ocupação de terra, montando um acampamento improvisado
do outro lado da barreira.
Em
poucos dias, a frente da favela, dando para a estrada, ostentava cartazes
anunciando "Salve a Vila Sara Kubitschek", "Os moradores da Vila
Sara agradecem", "Viva dona Sara" e assim por diante. Com esses
cartazes, o grupo de comando da favela iniciou uma engenhosa estratégia para
resistir a um esperado assalto pelo GEB. A estratégia tinha dois elementos.
Primeiro, os favelados escolheram o nome da mulher do presidente Kubitschek,
esperando que a Novacap hesitasse em atacar uma vila dedicada à primeira-dama.
Em segundo lugar, propagaram o rumor de que, "por ordem de dona
Sara", quem quer que cercasse um terreno na vila ganharia direitos legais
a ocupá-lo; daí as palavras "os moradores agradecem, dona Sara", por
supostamente ter autorizado a favela e a distribuição dos terrenos. Esse
estratagema foi um xeque-mate na Novacap: quase imediatamente o lugar foi
invadido por tamanha quantidade de pioneiros da Cidade Livre, dos acampamentos
de construção, e de outras favelas - todos atrás de seu lote na terra prometida
-, que as forças de segurança não tinham meios para reagir. Mais ainda, depois
deste êxito inicial, a ausência de uma ação da polícia fez com que a favela
parecesse ter até mesmo algum tipo de autorização oficial.
Esta
eficiente estratégia seria repetida muitas vezes nas várias lutas pelo direito
de residência. Com poucos recursos, a associação baseou sua estratégia naquilo
que era livre para manipular - os símbolos do governo -, pois supunha,
corretamente, que as autoridades teriam mais dificuldades em marchar contra
seus próprios emblemas. A associação foi especialmente eficaz no uso de nomes,
exatamente como o próprio governo faz, para proclamar a existência de uma
proteção de um benfeitor presuntivo. Mais do que isso, entendeu o poder da
nominação para inventar tais relações. Assim pôs a ocupação de terra sob a
proteção da primeira-dama, com o uso não autorizado de seu nome como epônimo.
Fazendo isso, os favelados esperavam tanto ficar investidos com a sua aura de
legitimidade quanto forçar o regime a reconhecer como legítimos os atos
cometidos sob ela.
Tendo
afastado a ameaça de uma retaliação imediata por parte do GEB, a associação de
moradores intensificou suas reivindicações de legalização com a única pessoa cujo
próprio uso do carisma para legitimar a construção de Brasília fazia
especialmente vulnerável a essa estratégia: Juscelino Kubitschek iria jantar na
Cidade Livre, na Churrascaria JK (outro exemplo dessas práticas de nominação),
planejou uma manifestação maciça para a ocasião. No ato público, mais uma vez
apresentou as reivindicações dos favelados na linguagem de demonstração dos
discursos de legitimação oficial de Brasília: "Fundamos a Vila Sara
Kubitschek", "Viva o presidente Juscelino", "Queremos ficar
onde estamos" e assim por diante.
Kubitschek
mandou um dos diretores da Novacap com a resposta do governo: a administração
tinha decidido criar uma cidade-satélite, a 25 quilômetros do Plano Piloto,
onde migrantes de recursos muito modestos teriam direito de adquirir um terreno
e para o qual a Novacap iria remover todos os favelados que estavam residindo
no território da construção. Assim, a primeira cidade-satélite de Brasília foi
designada como o lugar, a considerável distância do Plano Piloto, onde acomodar
os favelados de Brasília. No início o grupo de comando recusou a oferta da
Novacap, argumentando que o isolamento do satélite para além das imediações da
Cidade Livre e do Plano Piloto seria desastrosa em termos econômicos. A
Novacap, por sua vez, enfatizou as vantagens de uma posse legítima da terra.
Além disso, ofereceu-se para transferir qualquer pessoa sem nenhum custo,
reconstruir lá seus barracos, iniciar obras de serviços urbanos básicos e
providenciar assistência médica e transporte para o serviço (Ernesto Silva,
entrevista, Brasília, 1980). Por fim, depois de diversos confrontos violentos,
a resistência à remoção acabou. Em dez dias, a Novacap transferiu 4 mil
favelados e seus barracos cuidadosamente desmontados para Taguatinga, a
primeira cidade-satélite de Brasília.
Quando
esta cidade foi inaugurada, em 5 de julho de 1958, a Novacap já tinha
estabelecido e nomeado uma administração local para supervisionar a
distribuição de lotes e cuidar dos serviços urbanos. Embora muitos clubes,
associações ligadas à Igreja, e uma associação comercial filiada à da Cidade
Livre tenham surgido na cidade-satélite, nenhum estava especificamente
organizado em torno de serviços urbanos ou empenhado em ações políticas. A
mobilização política alcançada pela associação de residentes da Vila Sara
Kubitschek não sobreviveu à transferência de seus membros para Taguatinga.
Fonte
(s): HOLSTON, James. A Cidade Modernista: uma crítica de Brasília e sua utopia.
Tradução Marcelo Coelho, São Paulo: Companhia das Letras, 1993.
Cesar
Trajano de Lacerda, 2000
"Foi
quando o presidente criou as cidades-satélites, sendo a primeira Taguatinga...
Esta
invasão, os primeiros habitantes de Taguatinga, foram ocupadas por essa invasão
da Cidade Livre. E cada caminhão que trazia as famílias para dentro do cerrado
lá de Taguatinga, que era um verdadeiro cerrado. O pessoal da Novacap, os
trabalhadores da Novacap pegavam aquele bagulho tudo, das famílias e jogavam em
cima do caminhão e... Taguatinga. A estrada de Taguatinga tinha sido aberta
recentemente, era cada uma poeira que o caminhão passava e a gente ficava meia
hora para poder andar, não enxergava nada."
Há
outra versão sobre a formação de Taguatinga, que, certamente, não se opõe a
esse relato, pelo contrário, funde-se como uma amálgama capaz de unir as várias
histórias que existem sobre esse momento de conjunção e criação das cidades em
Brasília. O advogado César Trajano, que viria ser Deputado Federal
posteriormente, tem informações significativas sobre as invasões na Cidade
Livre e a formação da cidade que seria seu colégio eleitoral no futuro.
Intitulando-se o primeiro líder comunitário de Brasília, o goiano de Pires do
Rio entrou, conforme suas palavras, "em entendimento" com os
candangos que pouco a pouco, aglomeravam-se às margens da BR 040, estrada para
Goiânia. Em pouco tempo, os barracos aumentavam e, com eles, candangos que, em
volta das fogueiras, cantavam e se divertiam na noite, mesmo sem a real
possibilidade de um chão que pudessem chamar de seu. Trajano percebia nos
cânticos do candango a vontade real de conseguir um terreno, onde pudessem
fabricar seu barraco e trazer sua família. Sem nome, mas já com um grande
número de barracos, a invasão era invariavelmente ameaçada de remoção. Os
candangos pediram ajuda a Trajano, homem de fala fácil e espírito voluntarioso.
Era preciso, então, de uma tática bem pensada. Na posterior chegada do Viscount
que trouxe o presidente, Trajano foi ao seu encontro, com o intuito de relatar
as condições precárias daquelas pessoas, de alguma forma, cúmplices no sonho de
construir a capital. Onde é esse local? Perguntou o presidente. Lá na vila...
Sarah Kubitschek! Respondeu Trajano, batizando a invasão com nome da esposa de
Juscelino. O óbvio estratagema deu certo, Juscelino incumbiu-se de conversar
com os administradores da cidade, na intenção de conseguir um local de melhores
condições para aquela gente. Uma semana depois, numa reunião com alguns desses
administradores numa churrascaria na Cidade Livre, Juscelino deparou-se com uma
manifestação. Nela, uma faixa chamava a atenção: "Nós, moradores da Vila
Sarah Kubitschek pedimos uma solução". A solução encontrada foi a remoção
para a primeira cidade satélite, insólita até na escolha do nome: "Então,
qual o nome do local onde ia levar esse povo? O nome que foi falado na hora era
Tabatinga. Tabatinga, se eu não estou enganado, significa terra branca. E ali
perto tinha um areal, também de terra branca, onde tirava o saibro, tinha até o
caulim, também. E por isso chamava região de Tabatinga. E o córrego, que
passava ali também, era o córrego Tabatinga. Mas esse primeiro povo que foi
para lá entendeu Taguatinga, que significa ave branca, e lá nunca teve ave
branca. E tomou o nome, então, de Taguatinga."
Fonte(s):
LACERDA, Cesar Trajano de. Depoimento - Programa de História Oral. Brasília,
Arquivo Público do Distrito Federal, 2000. 16 p. p. 9.
LACERDA,
Cesar Trajano... op. cit. p.3.
SILVA,
H. Paisagem cotidiana, práticas e representações do Núcleo Bandeirante/Cidade
Livre.(Anos 50 do séc. XX - Tempo Presente) De "espaço provisório" a
um lugar de experiência identitária. Universidade de Brasília. PPGHIS (Programa
de Pós Graduação em História). Brasília, DF, 2011.
Aldo
Paviani, 1996
A
grande dificuldade foi selecionar os recebedores de lotes na nova urbe, uma vez
que estava previsto o acesso a eles apenas para trabalhadores e servidores de
baixa renda, e muitos favelados estavam excluídos desses critérios formais.
Assim, a cidade já nasce com as chamadas Vila Dimas fundada em 1 de maio de
1960 pelo líder comunitário Dimas Leopoldino da Silva e a Vila Matias, por
Raimundo Matias, pois havia muitos sem teto que não se adequavam à legalidade
instituída para a distribuição de lotes, ou seja, a cidade forjava já no seu
nascimento a desigualdade social (...) a criação de Taguatinga era apenas uma
mudança geográfica de sua condição de excluídos.
Fonte(s):
PAVIANI, A. (Org.) . Brasilia: Moradia e Exclusão. 1. ed. BRASILIA: EDITORA
UNB, 1996. pp.61.
Nenhum comentário:
Postar um comentário